pedro alex

24/11/09

24 de Novembro de 2000 e carqueja

História 6

O tempo passou tão impávido e sereno como o gajeiro. O dom da espera que tantas vezes desespera, nele não fazia sentido. Sem horas nem dias o gajeiro deixou-se estar meses quieto ao sol do estio e agora às primeiras chuvas do Outono. Afortunado pela insensatez que o tempo lhe representa manteve-se a observar todo aquele mundo novo que nem de perto nem de longe estava ainda pronto a enfrentar.

Estava na altura de zarpar para novos horizontes, aquele, além dos gentios que passavam e se tornavam iguais já pouco lhe acrescentava. Ergueu a proa, espreguiçou-se fazendo ranger todas as juntas que o constituíam, soltou um gemido roufenho pela buzina agora com pouco uso e com a lentidão do entardecer começou a mover-se.

Apenas ouviu a exclamação esfusiante de uma criança que agarrava a mão do pai:

- Pai, pai, olha aquele barco a andar sozinho pela rua fora.

- Onde meu filho?

- Ali, pela estrada. Não vês?

- Não filho, não vejo nada!

- Ali pai, vai pela estrada fora, devagarinho.

- Filho, querido, não vejo o barco mas está bem. Desde que tu vejas, está bem…

O Gajeiro ao ouvir a conversa ficou incomodado. Então uns viam-no e outros não?

Como é possível uns olhos verem e outros não uma realidade tão grande como ele?

Na vida por que passou sempre viu e ouviu tudo o que os como ele viram e ouviram. Será a realidade deste novo mundo assim tão diferente da dele?

- Não meu caro! Ripostou um semi-rígido que passava por ele rebocado por um automóvel.

- Quem és? Disse o Gajeiro.

- Saltapocinhas, tudo junto! Respondeu o semi-rígido.

- Mas que 31, Saltapocinhas tudo junto. Então porquê? Questionou o Gajeiro enquanto acompanhava a velocidade moderada o reboque.

- Os homens meu caro, os homens são diferentes de nós, mais evoluídos, mais sofisticados, conseguem ver e ouvir só o que querem. Vem, acompanha-me, vou para uma barragem, lá falaremos melhor no nosso elemento.

- Uma barragem! Já ouvi falar. Vou contigo então e lá explicarás-me com mais cuidado essa conversa do ver e ouvir apenas o que se quer.

O Gajeiro deixou-se guiar pelo seu novo companheiro seguindo e apreciando novos rumos, vistas e gente. Por ele veria e ouviria tudo; deixar o que quer que seja para trás seria uma perda de conhecimento grande. Havia gente que o via, ficava  admirada, havia gente que não o via, estava aparvalhada, não pelo seu feito de sozinho caminhar em terra firme, aparvalhada estava pela vida que levava.

4 comentários:

Red Maria disse...

Hmmm... também ando aparvalhada com a vida que levo mas ainda não consegui esse dom de só ouvir e ver o que quero. Tem dias... tem dias...

mac disse...

Também gostaria de ter o dom de ignorar as coisas, mas não consigo...

pedro alex disse...

Hmm Red também não podemos andar todos os dias nos cogumelos pra ver barcalhões a andar na rua, tão pouco ouvir as baboseiras que eles dizem :D
Nada como ter dias para isso, sem hora nem data marcadas.

pedro alex disse...

Hmm Mac com treino vai-se conseguindo; eu já nem consigo ver e ouvir os políticos deste país lol