História 6
O tempo passou tão impávido e sereno como o gajeiro. O dom da espera que tantas vezes desespera, nele não fazia sentido. Sem horas nem dias o gajeiro deixou-se estar meses quieto ao sol do estio e agora às primeiras chuvas do Outono. Afortunado pela insensatez que o tempo lhe representa manteve-se a observar todo aquele mundo novo que nem de perto nem de longe estava ainda pronto a enfrentar.
Estava na altura de zarpar para novos horizontes, aquele, além dos gentios que passavam e se tornavam iguais já pouco lhe acrescentava. Ergueu a proa, espreguiçou-se fazendo ranger todas as juntas que o constituíam, soltou um gemido roufenho pela buzina agora com pouco uso e com a lentidão do entardecer começou a mover-se.
Apenas ouviu a exclamação esfusiante de uma criança que agarrava a mão do pai:
- Pai, pai, olha aquele barco a andar sozinho pela rua fora.
- Onde meu filho?
- Ali, pela estrada. Não vês?
- Não filho, não vejo nada!
- Ali pai, vai pela estrada fora, devagarinho.
- Filho, querido, não vejo o barco mas está bem. Desde que tu vejas, está bem…
O Gajeiro ao ouvir a conversa ficou incomodado. Então uns viam-no e outros não?
Como é possível uns olhos verem e outros não uma realidade tão grande como ele?
Na vida por que passou sempre viu e ouviu tudo o que os como ele viram e ouviram. Será a realidade deste novo mundo assim tão diferente da dele?
- Não meu caro! Ripostou um semi-rígido que passava por ele rebocado por um automóvel.
- Quem és? Disse o Gajeiro.
- Saltapocinhas, tudo junto! Respondeu o semi-rígido.
- Mas que 31, Saltapocinhas tudo junto. Então porquê? Questionou o Gajeiro enquanto acompanhava a velocidade moderada o reboque.
- Os homens meu caro, os homens são diferentes de nós, mais evoluídos, mais sofisticados, conseguem ver e ouvir só o que querem. Vem, acompanha-me, vou para uma barragem, lá falaremos melhor no nosso elemento.
- Uma barragem! Já ouvi falar. Vou contigo então e lá explicarás-me com mais cuidado essa conversa do ver e ouvir apenas o que se quer.
O Gajeiro deixou-se guiar pelo seu novo companheiro seguindo e apreciando novos rumos, vistas e gente. Por ele veria e ouviria tudo; deixar o que quer que seja para trás seria uma perda de conhecimento grande. Havia gente que o via, ficava admirada, havia gente que não o via, estava aparvalhada, não pelo seu feito de sozinho caminhar em terra firme, aparvalhada estava pela vida que levava.
4 comentários:
Hmmm... também ando aparvalhada com a vida que levo mas ainda não consegui esse dom de só ouvir e ver o que quero. Tem dias... tem dias...
Também gostaria de ter o dom de ignorar as coisas, mas não consigo...
Hmm Red também não podemos andar todos os dias nos cogumelos pra ver barcalhões a andar na rua, tão pouco ouvir as baboseiras que eles dizem :D
Nada como ter dias para isso, sem hora nem data marcadas.
Hmm Mac com treino vai-se conseguindo; eu já nem consigo ver e ouvir os políticos deste país lol
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